quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

IMOLE ESU

 
“Esu, aqui está minha Oferenda!
Por favor, diga a Olorun
que aceite esta Oferenda
e alivie meu sofrimento! ”

— Fórmula ritual com que os fiéis devem oferecer o Ebo destinado ao Imole Esu —


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PARA COMPREENDER QUEM É ESU
Uma das divindades ancestrais iorubanas que mais escandalizou, confundiu e exasperou aos primeiros catequistas árabes e europeus em África foi o Imole Esu, sobretudo porque eles, reagindo aos estímulos de seus próprios subconscientes e aos tabus sócio-religioso-culturais da época, superestimaram um dos atributos deste Imole, qual seja, o de estimulador e regulador da natural atividade sexual, sem a qual não há procriação animal ou humana.
À época, esses primeiros catequistas não se deram conta que estavam imergindo em uma civilização africana autóctone e guerreira, agrícola e pastoril, aonde a atividade sexual regulamentada pela sociedade não era um “pecado” e sim uma benção sempre solicitada às Divindades porque significava a segurança de uma grande descendência.
Sim, o mesmo conceito bíblico do “crescei e multiplicai-vos”!

Mas, na sua feroz repressão a este atributo e à sua representação fálica, esses catequistas “esqueceram-se” das outras atividades primordiais desse Imole! E esse “esquecimento” influenciou duradouramente até aos iorubanos escravizados e “catequizados” no Brasil, fazendo com que eles pouco repassassem aos seus futuros descendentes e/ou dependentes religiosos outros atributos mais importantes que haviam por detrás daquela representação fálica agora repudiada.

Do Mito da Criação Universal, segundo os Iorubás.
É em respeito ao conceito ancestral que os Iorubanos tinham de suas Divindades que enumerarei aqui os principais 16 (dezesseis) títulos descritivos dos atributos que o Imole Esu tinha antes do advento de sua “conversão” forçada em “diabo”, em nome de uma pretensa superioridade racial e cultural de “conquistadores” que levaram à África mais de trezentos anos de guerras, sangue, suor e lágrimas.
Também só nos referiremos aqui a Esu por seu título ancestral iorubano de Imole ou “Ser Sobrenatural de Categoria Divina”, para bem diferenciá-lo do conceito de Satã, Caipora ou Êxú de Tronqueira que a perda de valores religiososo africanos, causada sobretudo pela escravidão e o sincretismo forçado com o Catolicismo e o Islamismo, permitiu insinuar-se até na mente de muitos que se dizem “Pai de Santo”, quanto mais na mente de seus mais simples seguidores atuais.
Assim, com o devido respeito, começamos por saudar ao Imole Esu:

Mo ju iba, Esu Oba Baba awon Esu! Iba se, o!
Saudações, Esu Senhor e Pai de todos os Esus!
Que esta homenagem se cumpra!

E pedimos-lhe Ago ou “licença” para citar o seu Orisirisi ou “Contos Imemoriais” onde se fala de seus dezesseis maiores atributos, sobretudo ligados ao Culto de Ifá, e que são tão negligenciados hoje em dia até pelos seus El’esu ou “Sacerdote de Esu”!
Eis aqui seus dezesseis títulos e suas correspondentes “qualidades”, os quais sempre foram ligados aos 16 Odu ou “Fundamentos de Tradição” dos Itan Ifa ou “Contos de Ifá” de Ile Ife ou “Cidade Santa de Ifé”:

Esu Yangi – o Senhor da Laterita Vermelha
Esu Agba – o Senhor Ancestral
Esu Igba Keta – o Senhor da Terceira Cabaça
Esu Okoto – o Senhor do Caracol
Esu Oba Baba Esu – o Rei e Pai de todos os Eshus
Esu Odara - o Senhor da Felicidade
Esu Osije - o Mensageiro Divino
Esu Eleru - o Senhor da Obrigação Ritual
Esu Enu Gbarijo - o Senhor da Boca Coletiva
10. Esu Elegbara – o Senhor do Poder Mágico

11. Esu Bara – o Senhor do Corpo

12. Esu L’Onan – o Senhor dos Caminhos

13. Esu Ol’Obe – o Senhor da Faca

14. Esu El’Ebo – o Senhor das Oferendas

15. Esu Alafia – o Senhor da Satisfação Pessoal

16. Esu Oduso – o Vigia dos Odus

Pouca semelhança entre estes nomes e aqueles que, hoje em dia, se lhe atribuem? Paciência! Somem a estes nomes 350 anos de guerras, escravidão, aculturação por sobrevivência e catequese forçada “goela abaixo” dos vencidos e chegaremos facilmente, com o devido respeito, às “Tronqueiras” e à troca de nomes do “Senhor da Laterita” por “Exú do Lodo”, o “Senhor dos Caminhos” por Exú “Tranca-Ruas” e o “Senhor do Corpo” por “Exú Caveira”, como veremos a seguir. Assim, tendo visto as denominações, vejamos agora as qualificações.
Esu Yangi é a sua primeira forma mais importante e a que lhe confere a qualidade de Imole ou “Divindade”, pois nos Ritos da Criação, segundo o Credo Iorubá:


-”O ar e as águas moveram-se conjuntamente e
uma parte deles mesmos transformou-se em lama.
Dessa lama originou-se uma bolha ou montículo,
a primeira matéria dotada de forma,
um rochedo avermelhado e lamacento.
OLORUN admirou esta forma e soprou sobre o montículo,
insuflando-lhe Seu Hálito e lhe deu vida.
Esta forma, a primeira dotada de existência individual,
um rochedo de Laterita,
era Esu Yangi.”-

Assim, fica claro que Imole Esu foi criado diretamente por OLORUN, mas não da própria e primordial matéria divina, da qual Ele já havia feito Obatala e Oduduwa, o Casal Divino, mas sim daquela matéria que iria formar toda existência genérica subseqüente, ou seja, a Eerupe ou “Lama”, da qual seria criada também toda a Humanidade que um dia Ebora Iku ou a “Morte” devolverá a essa mesma lama.
Então, Imole Esu é o primeiro Ser criado da Existência Genérica e o símbolo por excelência do Elemento Criado. Por isso ele é chamado também de Esu Agba ou “Eshu Ancestral”. Assim, os seus assentamentos ou sacrários mais antigos e tradicionais eram um simples pedaço de Laterita vermelha enfiado no solo, na Orita Meta ou “Encruzilhada de Três Caminhos”. Algumas vezes, a Laterita vermelha estaria cercada por 7, 14 ou 21 hastes de ferro, mas deste metal bem enferrujado que é o “esqueleto” do metal novo.
Como os mitos da Criação, segundo os Iorubás, demonstram que Imole Esu foi criado logo após Obatala e Oduduwa por OLORUN, ele é, portanto, o Igba Keta ou a “Terceira Cabaça” ou o “Terceiro Criado”, sendo símbolo da Existência Diferenciada e, em conseqüência, o elemento dinâmico que leva à propulsão, à mobilização, à transformação e ao crescimento. Nesta variante múltipla, ele é o princípio dinâmico que participa forçosamente de tudo o que virá a existir.
E assim foi-se processando a Criação, segundo o Credo Iorubá.
Os Orisirisi Esu continuam contando como Imole Esu logo descontrolou-se e começou a devorar toda a existência, sendo obrigado por Orunmila, após uma longa perseguição, a vomitar tudo de volta; entretanto, tudo em maior quantidade, muito melhor e mais perfeito do que quando o ingerira.
E, tendo sido picado em milhares de pedaços pela espada de Orunmila, transformou-se no “Mais Um” ou o “Um multiplicado pelo Infinito”, no Esu Okoto ou “Eshu do Caracol”, cuja estrutura óssea espiralada parte de um ponto único, abrindo-se para o Infinito e no qual os Iorubanos conceituavam o crescimento e a multiplicação.
Desta forma, Esu Yangi também multiplicou-se “infinitamente” e, tendo se tornado no símbolo da restituição e da recomposição, tornou-se ele próprio no Oba Baba Esu ou “Rei” e o “Pai” de todos os outros Imole Esu que dele seriam e foram “cortados” e que para sempre acompanhariam os Imole e todos os mortais.
Os Ese Itan Ifa ou “Versos dos Contos de Ifá”, contam-nos a razão da denominação das outras variantes múltiplas de Imole Esu.
Numa explanação livre dos versos desses Contos, no que se refere ao Imole Osetuwa, podemos ler que quando os Imole vieram à Terra para coadjuvar Obatala e Oduduwa a reger a Criação, OLORUN ensinou-lhes tudo quanto precisavam saber para que a vida na Terra fosse Odara ou “Feliz”.
Mas, apesar de os Imole fazerem tudo quanto lhes tinha sido prescrito por OLORUN, sobrevieram na Terra todos os tipos de desgraças, sobretudo uma terrível e prolongada seca.
Os Imole reuniram-se e chegaram à conclusão de que os fatos desastrosos estavam além da sua compreensão e que deveriam mandar alguém, sábio e instruído, à presença de OLORUN para que Este lhes mandasse a solução dos problemas que afligiam a Terra, agora sob o risco de total desaparecimento.
Orunmila, o Orixá da Divinação Sagrada, partiu nessa missão e data daí o fato de que ele passou a ser um dos três Imole que podem apresentar-se perante OLORUN e suportar-Lhe o esplendor. Ao lhe ser permitido facear OLORUN, Orunmila ouviu Dele que a razão para todas as desgraças que assolavam a Terra estava no fato de que eles, os Imole, não haviam convidado para morar no Ode Aiye, ou seja, a “moradia dos Imole na Terra”, ao Ser que se constituía no décimo sétimo dentre eles. Quando assim o fizessem, tudo voltaria a frutificar!
E foi assim que Orunmila tornou-se o “Arauto de OLORUN” para a ligação dos dois mundos, o Orun ou “Além” e o Aiye ou “Terra”. Retornando ao Ode Aiye, Orunmila começou a procurar pelo “décimo sétimo”, o qual deveria ser convidado a morar com eles.
Depois de muitas tentativas infrutíferas, decidiram que uma poderosa Aje ou “Senhora do Feitiço” – a Ebora Osum – deveria conceber um filho de Oso ou “Senhor do Poder Mágico”, filho esse que receberia, ainda no ventre materno, o Ase ou “Força Mágica” de todos os Imole por imposição conjunta de suas mãos, para que se transformasse assim no Mensageiro por excelência das Oferendas dos Imole e se acabassem as desgraças que assolavam a Terra.
Assim foi gerado um filho do “Feitiço com o Poder Mágico”, o qual recebeu o nome de Osetuwa e este novo Orixá Gerado passou a tentar cumprir o seu dever de mensageiro, mas sem obter absolutamente nenhum sucesso!
Até que um dia, em aflição, lembrou-se de procurar o quase desconhecido Imole Esu Odara ou “Eshu da Felicidade”, para pedir-lhe conselhos e ajuda.
E Osetuwa dirigiu-se a Esu Odara e pediu-lhe a ajuda para levar as Oferendas dos Imole a OLORUN. E Esu Odara respondeu a Osetuwa:


-” Como??? Jamais pensei que você viesse me avisar antes de partir!
Por este seu gesto, hoje o Orun lhe abrirá as portas.”-

E, então, Osetuwa e Esu Odara puseram-se a caminho e partiram em direção aos portões do Orun. Quando lá chegaram, as portas já se encontravam abertas!
Osetuwa, então, pôde entregar as Oferendas dos Imole a OLORUN e Este, aceitando-as por virem através de Imole Esu, deu a Osetuwa …“todas as coisas necessárias à sobrevivência do Mundo”. Osetuwa voltou ao Aiye ou “Mundo Material” e tudo frutificou novamente!
Tão gratos lhe ficaram os Imole que o cobriram de presentes e o celebraram como o único dentre eles que conseguira levar as Oferendas ao Orun. Mas Osetuwa, com humildade, levou todos os presentes que recebera e deu-os todos a Esu Odara.
Quando os deu a Esu, o mesmo disse:


-“Como??? Há tanto tempo eu entrego os sacrifícios
e nunca houve ninguém para retribuir-me a gentileza!”-
-“Você, Osetuwa, todos os sacrifícios que eles fizerem sobre a Terra,
se não os entregarem primeiro a você
para que você os possa trazer a mim,
farei com que as Oferendas não sejam aceitas!”-

E foi assim que Osetuwa tornou-se em um poderoso Akin Oso ou “Manipulador do Poder”, duplamente por seu nascimento e pela confirmação de Imole Esu Odara, por ter mostrado a todos os Imole que Esu era realmente o Osije ou “Mensageiro Divino” e que também tinha o poder de aceitar ou recusar os sacrifícios rituais porque era o verdadeiro Eleru ou “Senhor da Obrigação Ritual”.
A partir de então, os seiscentos Imole decidiram dar ao Imole Esu um “pedaço de suas próprias bocas” para que ele pudesse falar por todos, quando fosse perante OLORUN, pois era patente que ele era o outro Imole, além de Orunmila, que podia apresentar-se perante OLORUN. Imole Esu, muito sabiamente, “uniu todos esses pedaços em sua própria boca” e assim tornou-se o Enu Gbarijo ou “Boca Coletiva” de todos os Imole.
Desde então, como retribuição de Esu aos outros Imole, cada um destes possui ao seu lado o seu Esu Okoto ou “Eshu do Caracol”, o “Mais Um”, a quem ambos delegam os seus poderes. Desta forma, por delegação espontânea de todos os Imole, Esu tornou-se também o Elegbara ou “Senhor do Poder Mágico”. E como toda a Criação é também regida pelos Imole, todo o Ser vivente no Aiye ou “Mundo”, assim como possui o seu Olori, ou seja, o seu Orisa ou sua Ebora, que são o “Senhor” ou a “Senhora” de sua Ori ou “Cabeça”, também tem que ter o seu Esu Bara ou “Esu do Corpo”, pois Bara vem de Oba=Senhor + Ara=Corpo.
Isto explica muitas coisas que são atribuídas nos cultos afro-brasileiros a Exú, pois que ele é responsável pela natural atividade sexual, que é um atributo do corpo, pois sem ela não há procriação, que é multiplicação e abundância, quer seja vegetal, animal ou humana.
E, para isso, Imole Esu, sendo o Elegbara e o Bara, recebeu de OLORUN os instrumentos-símbolos desta sua ação dinamizadora e frutificadora:
- o Ado Iran, a Cabaça arredondada de longo pescoço, o recipiente de poder mágico que contém inesgotável Ase ou Força Mágica, bastando ser apontada a um objetivo para emanar e propagar esse poder mágico;
- o Gorro ou Penteado tradicional em coque de ponta alongada e caída, terminada na forma da glande peniana humana, símbolo da Reprodução.
Daí ser o pênis humano, em ereção, uma de suas mais populares e ancestrais representações, feitas em pedra, como as da localidade africana de Tondediru, ou, mais simplesmente, modeladas em barro à beira dos caminhos. E este foi, como já dissemos no início, um dos aspectos de Imole Esu que mais escandalizou os missionários de outras religiões, que então dispararam contra ele todas as suas “armas”.
Nunca atentaram para o fato de que em nenhum dos milhares de Versos de Contos de Ifá, Imole Esu jamais – repitamos – jamais assume a função de procriador e mais: suas diversas formas multiplicativas têm por origem a divisão do seu próprio Ser em “milhares” de partes pela espada de Orunmila.
Mas Imole Esu tinha uma outra função capital que despertou o interesse dos catequistas das novas religiões, que nela viram a oportunidade otimizada para a destruição de sua importância entre os Iorubás: a sua função de Executor Divino.
Como Imole Esu é o Mensageiro Divino e o Senhor do Carrego Ritual prescrito por Orunmila-Ifa, ele é também o L’Onan ou “Senhor dos Caminhos”, tanto dos benéficos (Ona Rere), quanto dos maléficos (Ona Buruku), que ele abre ou fecha aos mortais conforme verifique se os sacrifícios prescritos aos fiéis foram ou não cumpridos, ajudando aqueles que os cumprem e punindo os que, devidamente avisados, não o fazem.
Por isso, ele é também o Ol’obe ou “Senhor da Faca”, significando ser o Executor dos Sacrifícios, mas também, no sentido ritualístico, “Aquele que tem o poder de vida e morte”. À Obe ou “Faca”, Imole Esu junta ainda a sua Opa ou “Bolsa”, na qual carrega os seus objetos ritualísticos mágicos, entre eles os “fragmentos de cabaças”, símbolo do Ser destruído mas, por sua vez, destruidor, talvez um dos seus emblemas mais temidos e somente manipulados por seus El’esu, ou seja, pelos Sacerdotes do Imole Esu.
Por tudo isso, Imole Esu está sempre “do lado de fora”, nos “caminhos”, onde tem seu lugar predileto, a Orita Meta ou “Encruzilhada de Três Caminhos”, onde ele aceita, carrega, transporta e premia, mas, também, de onde vigia, adverte, recusa e pune.
Foi então que os primeiros catequistas de outras religiões passaram a pregar que todas as desgraças acontecidas aos fiéis dos Orisa Yoruba, merecidas ou não, derivavam da ação nefasta e indiscriminada de Imole Esu, o qual apenas faria o Mal pelo Mal.
Por sua vez, o povo Yoruba escravizado viu nesta interpretação equivocada de Executor por Malfeitor, uma nova arma para se defenderem e passaram a ameaçar abertamente os seus inimigos com as artes punitivas do Imole Esu, que assim começou a transformar-se em “Êxú” e a sincretizar-se, nas mentes mais fracas, com a figura do “diabo” medieval católico.
Daí a ele começar a ser representado e apresentado como um Ser tenebroso e mau foi apenas a mesma “descida de ladeira” por onde escorregaram os sincrético cultos afro-brasileiros, notadamente a Umbanda Popular, até estarem lançadas as bases do “sincretismo dentro do sincretismo” e aparecer a Kimbanda que, na verdade, nada mais é que o “ponto mais alto da curva do desespero” a que foram lançados os povos escravizados no Brasil.
Mas, na realidade, no Credo Iorubá, Imole Esu é o símbolo, não da subtração, mas sim da restituição que os humanos devem fazer, através de Oferendas, daquelas coisas que eram necessárias à sobrevivência do Mundo e que OLORUN deu aos Imole Osetuwa e Esu para salvá-la e não para destruí-la.
E é na execução das Oferendas com esta intenção, que só Esu Elebo ou “Senhor das Ofendas” é capaz de tornar aceitável a OLORUN, que está a “chave” que permite ao fiel alcançar o seu objetivo. E se conseguir alcançar o seu objetivo, naturalmente obterá também a satisfação (Alafia) dos seus anseios maiores; assim, deve agradecer também a Esu Alafia ou “Senhor da Satisfação Pessoal”.
É sobretudo sob as múltiplas variantes de Bara, Enu Gbarijo, Elebo e Alafia que o Orisa Orunmila se utiliza do Imole Esu para poder atuar como o Arauto dos Awon Orisa sobre os destinos humanos na Divinação Sagrada de Ifá, quer através do Opon ou “Tabuleiro” e do Opele ou “Corrente de Ifá”, quer através dos “Búzios“.
Por isso mesmo, os Odu ou “Fundamentos de Tradição” sempre aconselham a Pa Esu, ou seja, a apaziguar ao Imole Esu e não a tentar suborná-lo para ter um “malfeitor” às ordens.
Imole Esu é, pois, o Princípio Restaurador do Equilíbrio no Credo Iorubá. Daí as suas representações pouco conhecidas, à fora sua representação fálica, ora “fumando cachimbo”, simbolizando a absorção e a ingestão, ora “tocando flauta”, simbolizando a doação e a restituição.
E assim, os Orisirisi Esu contam corno ele distribui generosamente crescimento e honras, “vomitando-os” após ter ingerido todo tipo de alimentos e bebidas rituais das Oferendas e como há um determinado elemento, o Aasaa ou “Fumo de rolo” picado que infalivelmente provoca essa inusitada transformação, multiplicação e restituição”.
Tudo isso ele assim faz em troca de somente três coisas: a coragem do fiel em tentar cumprir seu próprio destino; respeito do fiel aos Fundamentos de Tradição dos Orixás e a oferta de seu Ebo ou “Oferenda” específico que lhe é destinada no seu ritual próprio, o Ipade, cujo literal significado é justamente “ato de reunião de apaziguamento” e não para pedidos de destruições e vinganças aleatórias, como pensam aqueles que, na verdade, não conhecem a essência do Senhor Imole Esu, porque se esqueceram ou não conhecem mais as suas raízes espirituais ancestrais, ou, pior ainda, as renegam!
A oferenda Ebo é constituída de elementos materiais muito simples, mas de profundo significado, ao contrário do que se vê “despachado” pelas esquinas de nossas cidades e que quase não guardam relação alguma com o seu significado original:
- Omi (a Água), a Oferenda por excelência, que fertiliza, apazigua e vitaliza tanto o Além quanto a Terra, especialmente se for a Omi Ato (água de chuva), a “Água-sêmen” do Céu!
- Epo (o Azeite de Dendê): símbolo da dinâmica da realização, da descendência, relacionada com o Eje Pupo ou “sangue vermelho” ou essência do Vermelho dos elementos gerados;
- Otin (bebida destilada branca): vinho de palmeira em áfrica e cachaça no Brasil, relacionada com o Eje Funfun ou “sangue branco” ou essência do Branco dos elementos geradores;
- Iyefun (a farinha): qualquer farinha, a qual é símbolo do Eje Dudu ou “sangue preto” ou essência do Preto dos elementos gesta ntes e fecundos, como o Akasa, bolinho de pasta branca de milho deixado de molho, ralado e cozido, envolto na folha africana Ewe Eko, no Brasil, substitída pela “folha de bananeira”.
Dito isto (e mais haveria), eis porque tão poderosa divindade sempre foi e ainda é cultuada e servida antes até que servidos e cultuados sejam os Orixás, em qualquer situação e lugar …
Remarquemos a mais que, especificamente no Ebo de seu Ipade, Imole Esu não recebe sangue animal e sim seu sucedâneo transmudado – o Epo ou “Azeite de Dendê”.
Assim, sem ferirmos a Tradição Ancestral, podemos afirmar que é um direito da Corrente Astral do Aumbhandan – A Umbanda Esotérica do Brasil – não se utilizar de sacrifícios de sangue, nem mesmo parar preceituar tão poderosa divindade.
Usos e costumes ancestrais de outros povos, legítimos e fundamentados à sua época, podem muito bem serem transmudados em novos tempos, como já acontecia mesmo em África, aonde os Babalawos tinham, a seu critério, o poder de substituir os animais preceituados para oferenda por suas penas, escamas e couros, devendo o valor de mercado do animal a ofertar ser distribuído, em esmolas, entre os carentes de sua comunidade.
Por outro lado, a atuação do Imole Esu como Mensageiro dos Orixás para a entrega de oferendas a OLORUN, dificilmente é compatível ou coerente com a sua posterior identificação com o “Satã” pelos cristãos e muçulmanos. Tal tentativa de analogia, só se explica por não se encontrar no Credo Iorubá a idéia de “diabo” ou “inferno”, como se os entendem em outras religiões não-africanas.
De fato, mesmo face à situação irregular dos suicidas, no pensamento Iorubá seres carentes de coragem em enfrentar seu próprio destino, os Iorubanos jamais criaram a idéia grosseira de uma eterna punição; para eles, prêmio ou castigo eram provações a serem experimentadas aqui mesmo nesta Terra ou pela falta de retorno à ela.
Assim, a idéia de um “Exú” essencialmente trevoso e mau é uma contrafação sincrética com o “diabo” medieval católico, forçada e imposta pela escravidão e conseqüente perda de valores iniciatórios das religiões africanas no Brasil, mas que nunca existiu em África em tempo algum.
E, muito embora nas lendas populares, Imole Esu passasse a ser conhecido como “manhoso”, “trapaceiro” e notoriamente “encrenqueiro”, mormente se não for “apaziguado” por seu Ebo, a sua suposta imagem de malignidade decorre, na verdade, de ele ter o importante papel de Executor Divino, punindo aqueles que descuram as oferendas prescritas para eles, mas recompensando aqueles que as cumprem.
Entretanto, ele nada faz por conta própria, servindo fielmente a OLORUN e ao Orisa Orunmila-Ifa. Também, os Orisa e as Ebora podem convocá-lo para se utilizar da variedade de punições postas sob o seu comando. E isto porque, com imensa sabedoria, o Credo Iorubano ancestral prega que Orisa algum pune diretamente seus “Filhos”, mesmo os transviados, os transgressores e os ofensores: isto é função do Imole Esu.
Os Versos dos Contos de lfá dizem que Imole Esu é também encarregado por OLORUN para vigiar as ações de outras Divindades no Aiye ou “Terra”. E isto só pode se dar, dizem os fiéis, porque ele é notável e notoriamente equânime no seu papel de Executor Divino.
É por tudo isso que todos os devotos de todas os Orisa e Ebora se voltam para Orunmila-lfa em tempos de dificuldades, buscando essa equanimidade e, a conselho dos Babalawo, oferendam a Imole Esu e, por seu intermédio, a OLORUN.
Para que os Babalaôs não se excedam nas prescrição dessas oferendas, Imole Esu está sempre presente na Divinação Sagrada de Ifá, como o décimo sétimo Ikin ou “Coquinho de Dendê”, o Olori Ikin ou “Senhor da Cabeça dos Coquinhos de Dendê Consagrados”, o qual leva a sua efígie gravada.
Por essa razão, este décimo sétimo lkin é também chamado de Oduso ou “Vigia dos Odu”, do verbo Iorubá So ou “Vigiar”, ou seja, colocado no Tabuleiro de Ifá em uma posição tão privilegiada quanto a do Babalaô, ele representa Esu Oduso que é o Vigia dos Odu ou “Signos-Resposta” do Sistema lfá e, conseqüentemente de suas verdadeiras interpretações pelos Babalaôs, pois todo o bom cumprimento do Iwa ou “Destino” do Consulente depende de se bem compreender a Mensagem que Orisa Orunmila quer transmitir ao Consulente.
Daí se compreender que a ligação do Imole Esu com o “Jogo de Ifá” é inquestionável.
Assim, como vemos, Imole Esu não é nem mau nem tenebroso, antes, pelo contrário, freqüenta o Orun ou “Além”, reporta-se diretamente a OLORUN e dialoga com os Imole ou Divindades e com os Onile ou Antepassados. Ele também não é indiscriminadamente vingativo , mas é o Transformador Divino que trata com equanimidade Divindades, Ancestrais, Babalaôs e Humanos por ordens de OLORUN.
E nada executa por sua própria vontade, mas cumprindo fielmente as ordens de OLORUN e os ditames do Iwa ou “Destino” livremente escolhido por cada Ori Orun ou “Individualidade no Além” de cada fiel e, através de Orunmila-Ifa, cumpre também as ordens das Divindades.
E se ele é considerado “trapaceiro” e “encrenqueiro”, o é pelos culpados, porque ele é o fiscal de OLORUN junto aos Orisa e, ainda, o Vigia dos Babalaôs e do bom cumprimento das obrigações rituais e sacrificiais por cada Fiel.
E se ele pode até matar, conforme se lê em diversos Ese dos Itan Ifá, é também ele que representa a Vida e a sua dinamização ou continuação, através do legítimo e natural prazer sexual que leva os humanos a procriar.
E se assim é há milênios, a Imole Esu só é devida a coragem de cada fiel em tentar realizar o seu Destino livremente escolhido antes de nascer, a sua Oferenda específica – o Ebo – do seu ritual Ipade e a nossa saudação, não de medo ou horror, mas de respeito, como a ele fez Osetuwa:


— “Agba Esu, Mo ju iba ! Iba se o!“ —
— “Esu Ancestral, presto-lhe minha homenagem!“-
-“Oh! Que esta homenagem se cumpra!” —

Assim sendo, quero terminar esta explanação com a tradução livre, mas coerente, de parte de um dos Versos dos Contos de Ifá, o do Odu Obara Meji:


Obara ni,
ki ndojubole Ki n’ba buru,
Ki Elegbara o jeki ngo lo
Nje ikuderin Moforibale l’Elegbara.

—”Obará Meji pediu que eu me prostrasse em reverência,
cobrindo minha cabeça.
Que eu deveria me prostrar e me cobrir em respeito,
para que Elégbará me permitisse prosseguir
em meu caminho de felicidade e riqueza.
Assim, minha morte transformar-se-á em longa vida de alegria.
Portanto, curvo-me ante Elégbará!” —

Então, assim, também eu o faço e assim também eu peço:

— “Imole Esu, aqui está minha oferenda!“—
— “ Por favor, peça a OLORUN que aceite esta oferenda
e alivie meu sofrimento!”—
Tó! (Assim seja!) Adupê, ó! (Oh, Obrigado!)

Mana, Axé e Benção
Baba Oberefun Si Okojumide

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Postado no Grupo de Estudos Boiadeiro Rei

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