quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

A INICIAÇÃO NO BATUQUE

 
A iniciação na religião se faz durante um período de reclusão na casa de culto, a qual implica vários tabus, tais como, as relações sexuais, certos alimentos, o calor do sol, etc. Durante este período, o noviço se aprofunda nos mistérios da religião . Esta iniciação exige uma série de banhos cerimoniais, inclusive com o sangue de animais sacrificados. Diz-se que a pessoa "está no santo" quando seu orixá protetor se apossou de sua consciência, dela só se afastando mediante o ritual do "despacho de santo", este realizado pelo Babalorixá ou por um filho mais velho e experimentado. Diz-se então que o noviço "está feito": é "filho-de-santo".
A partir daí é uma aprendizagem contínua: "... a aquisição de conhecimentos é uma experiência progressiva, iniciática, possibilitada pela absorção e pelo desenvolvimento de qualidades e poderes". A aquisição de tais conhecimentos só é efetiva se houver contato constante com o sagrado. O Batuque se diferencia de outras religiões porque o indivíduo aprende pela observação direta, o que pressupõe sua presença a prática ritual. Dentro de algum tempo, após cumprir todas as etapas da iniciação e de ter recebido todos os "axés": o direito e poderes para "olhar os búzios" e para cortar (sacrificar animais segundo o ritual) o filho-de-santo "pronto" pode estabelecer-se com casa de culto própria, da qual será o Babalorixá.

O cumprimento de cada uma destas etapas, se de um lado confere prestígio, direitos e privilégios junto á comunidade batuqueira, de outro, corresponde a obrigações e comprometimentos cada vez maiores com o sagrado. O filho-de-santo desde a iniciação até o fim da vida fica ligado ao seu orixá por laços muito rigorosos de obediência e cultos, não só por interesse de receber do orixá as graças e a proteção desejada, mas também para evitar castigos e as penas por ele impostas ao seu filho que não procede com correção ou negligência os deveres religiosos. Além disso, o "filho-de-santo" deve estrita obediência a seu "pai" ou "mãe-de-santo", subordinação esta tão extensa que atinge até a conduta fora da casa de religião.

01. Lavagem de Cabeça

É a primeira obrigação da iniciação. O Babalorixá ou Yalorixá utiliza o Mieró (ervas sagradas maceradas com água pura), enquanto tira-se o Erí, ou seja, a reza do Babalorixá ou Yalorixá.
Debruçado sobre uma bacia de ágata, contendo o mieró, o iniciando tem sua cabeça lavada. Depois seca com uma toalha branca. A partir de então o iniciando passa a ser "filho-de-santo" , devendo respeitar e participar de todas as atividades que ocorrerem no Ilê.

OBS: O Mieró deverá ser feito para a lavação de cabeças, de obrigações (Boris, Ocutás, Vasilhas, etc) ou mesmo um banho de descarga.

02. Aribibó

O Aribibó é a obrigação realizada com um casal de pombos pertencentes ao Orixá. Nesta obrigação não feito nenhum tipo de assentamento, visto que trata-se de um reforço ou até mesmo um axé de saúde.

03. Bori

O Bori de aves é a obrigação em que o filho-de-santo reafirma sua convicção dentro da religião. É feito como uma preparação para o aprontamento, ou como um "reforço de cabeça", que tem como objetivo melhorar as condições gerais do filho-de-santo. Na obrigação do bori são consagrados alguns objetos que juntos também se chamam bori: uma manteigueira de vidro ou porcelana, 01 moeda antiga, alguns búzios (de acordo com o número de axé do orixá) e 01 quartinha (espécie de vaso de barro com tampa). Estes objetos são colocados dentro de uma vasilha, juntamente com as guias e recebem o sangue (axorô) dos animais sacrificados, vasilha esta que fica no colo do filho que está sendo borido, enquanto este fica sentado no chão.O Babalorixá faz as marcações no corpo do filho da mesma forma que foi feita no aribibó, com a diferença de serem sacrificados além de pombos, galos ou galinhas, de acordo com o orixá dono da cabeça do filho-de-santo. Na continuação da obrigação de bori conservam-se as mesmas etapas do aribibó, porém no bori há uma testemunha a quem chamamos de padrinho ou madrinha de cabeça, devendo-se total respeito ao padrinho, que deverá ser alguém com feitura, filho-de-santo pronto, pois é o padrinho ou madrinha que deverá ser procurado caso o afilhado necessite de orientação e o Babalorixá estiver impossibilitado de auxiliar o filho-de-santo.

Terminada as etapas da matança o borido é auxiliado a trocar de roupa e deita-se no chão mantendo-se o mais próximo de sua obrigação. Os animais sacrificados vão para a cozinha, onde são preparadas as inhélas (partes extremas e vitais das aves, fritas em óleo) que serão servidas aos orixás e com o restante do corpo das aves serão preparadas as refeições para alimentar o povo que permanecerá no Ilê durante o período de obrigação, ou então serem servidas durante a noite de Batuque.

A reclusão do filho de santo que está sendo borido varia de 03 a 04 dias em média. Durante este período o borido reduz ao máximo suas atividades e movimentos, permanecendo a maior parte do tempo deitado ao chão. Após o batuque e o término do período de reclusão levanta-se a obrigação e monta-se o bori: Faz-se uma cama de algodão dentro da manteigueira e põe-se a moeda ao centro rodeada pelos búzios

Cobre-se com bastante mel. Agora o filho-de-santo tem o Bori (a mantegueira com os búzios e a quartinha cheia d'água), que ficará guardado no Quarto-de-Santo, numa prateleira coberto por cortinas, juntamente com os Boris dos demais filhos do terreiro, até que este filho se apronte e tenha seu próprio terreiro. O Bori é considerado a "cérebro" do indivíduo, portanto exige certos cuidados, não deve ser mexido, a quartinha deve estar sempre com água e deve ser reforçado de tempos em tempos com nova obrigação.
Há vários tipos de Bori:

Bori de Aves: quando são sacrificados galos ou galinhas da cor pertencente ao orixá de cabeça e para o orixá que rege o corpo da pessoa. É uma obrigação de iniciação para o filho-de-santo novo ou de reforço para o filho que fez bori e que precisa renovar sua força espiritual.

Bori de Meio Quatro-Pé: como é chamado vulgarmente, pois é considerado como preparação para o aprontamento, isto é, antecede o Bori de Quatro-pés. Esta obrigação é feita para filhos que já tenham feito bori de aves e também pode ser feito como reforço, para os que já são filhos prontos. É sacrificado um casal de galinhas d'angola se o filho-de-santo pertence a um orixá de frente, casal de marrecos se o filho-de-santo pertencer á Oxum ou Oxalá ou então, um casal de patos se for filho de Iemanjá. A feitura de um Bori de Meio Quatro-Pés, vai depender da necessidade do indivíduo e/ou da exigência de seu orixá, o que será verificado junto ao Babalorixá ou Yalorixá através do Ifá.

Bori de Quatro-Pés: considerado como apronte de cabeça, principalmente quando junto ao Bori ocorre o assentamento do Orixá de cabeça do filho-de-santo. Ocasião onde se consagra não somente o Bori, mas também os objetos místicos: as ferramentas e o ocutá onde será fixado o orixá e a guia delegum, guia com vários fios de contas que variam em número e cor de acordo com o axé do orixá. È sacrificado um animal de quatro patas de acordo com o orixá do indivíduo. A partir desta obrigação, aumentam as responsabilidades do filho-de-santo, assim como seu prestígio junto á sociedade batuqueira. O período de obrigação, em que o filho fica "preso" no Ilê é maior do que no Bori de Aves, variando de 06 até 20 dias ou mais, isto vai depender da situação e das regras dadas pelo Babalorixá.

04. Aprontamento:

O aprontamento corresponde ao estabelecimento oficial e definitivo do vínculo místico indivíduo/orixá. Entretanto este vínculo precisa ser renovado de tempos em tempos, pois o ato de colocar axorô na cabeça implica na idéia de alimentar o orixá e fortalecer o seu filho.O aprontamento sempre ocorre na obrigação que chamamos de matança e os principais passos do aprontamento são muito semelhantes em todos os terreiros, e são eles:

1. O corte dos animais ofertados a cada um dos orixás a serem assentados em cima da vasilha que contém os objetos a serem consagrados.

2. No caso do aprontamento de cabeça o axorô do animal também é derramado sobre a cabeça do filho-de-santo que está se aprontando, tal como é feito no bori.

3. Os animais sacrificados são coureados, para que possam ser preparados e servidos no Batuque que será realizado. Geralmente a matança se dá numa Quinta-feira, sendo uma obrigação fechada, comparecendo somente os filhos do Ilê.No sábado dá-se o Batuque grande, quando comparecem ao Ilê grande número de pessoas, pertencentes ao batuque ou não.

Após as etapas da matança segue-se a preparação para o Batuque que será dado em homenagem aos orixás que estão sendo assentados. A preparação do Batuque compreende desde a decoração do salão, até a confecção dos alimentos que serão servidos.

05. Axés de Obé e Ifá ( facas e búzios)

O filho-de-santo é agraciado com os axés de Obé e Ifá, quando o Babalorixá ou Yalorixá perceber o desenvolvimento, o empenho e o merecimento do filho para com suas obrigações e o comprometimento com seus Orixás e com os fundamentos da Religião. Significa que o Babalorixá tem extrema confiança no filho que irá receber os axés, tanto em relação aos seus conhecimentos, quanto ao seu caráter e honestidade, pois é através do Ifá que se auxilia quem precisa de orientação e com o Obé realizamos os fetiches para os Orixás.
A entrega destes axés ocorre no Batuque de terminação, geralmente no sábado posterior ao Batuque Grande.

Quando for entregue os axés, os objetos que compõe o jogo de Ifá e as facas deverão ser colocados em uma bandeja enfeitada com flores e folhas e se fará o ritual de entrega. O padrinho ou madrinha segurará uma vela acesa testemunhando a obrigação. Antes de dar início à entrega dos axés o babalorixá dirá um pequeno discurso sobre a importância e a utilidade dos axés que estão sendo entregues perante todos os presentes. A partir de então o filho-de-santo é considerado pronto, isto é tem sua obrigação completa com o assentamento de todos os orixás e os axés de obé e ifá. Depende agora de seu desenvolvimento e aptidão e, com o consentimento de seu orixá-de-cabeça e de seu Babalorixá poderá ter seu próprio Ilê.

06. O Axé de Fala para o Orixá

As primeiras manifestações do orixá são muito rudes, diz-se que o orixá nasceu ao chegar pela primeira vez ao mundo. O Babalorixá ou Yalorixá começa então a ensinar ao orixá certos comportamentos e fundamentos necessários para o bom desempenho do ebó. O orixá não necessita falar para dar o seu axé, porém após atingir um certo nível de desenvolvimento o Babalorixá concede a permissão da fala para que o Orixá possa auxiliá-lo durante o Batuque nos afazeres que acontecem durante o ebó, além de auxiliar com os orixás que são mais novos e que estão em pleno desenvolvimento.

É um axé de muito segredo e fundamento. O Babalaô deve jogar para ver se pode dar a fala e se o Orixá aceita. Deve apresentar o axé para as testemunhas e dar início à obrigação, que consiste numa prova para verificar a veracidade da possessão ou não.

A confirmação positiva da veracidade e da força do orixá é algo de muita comemoração. Todos os que participaram da prova da fala, testemunhas, orixás, babalaôs, entram no salão e o orixá que recebeu a fala é vestido com uma capa e saudado por todos os presentes ao batuque.


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Postado no Grupo de Estudos Boiadeiro Rei

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