quarta-feira, 2 de março de 2011

O que a Umbanda tem a oferecer?

 
Hoje em dia, quando falamos em religião, os questionamentos são
diversos. A principal questão levantada refere-se à função da
mesma nesse início de milênio.
Tentaremos nesse texto, de forma panorâmica, levantar e propor
algumas reflexões a esse respeito, tendo como foco do nosso estudo a
Umbanda.

O que a religião e, mais especificamente, a religião de Umbanda,
pode oferecer a uma sociedade pós-moderna como a nossa? Como ela pode
contribuir junto ao ser
humano em sua busca por paz interior, desenvolvimento pessoal e
auto-realização?
Quais são suas contribuições ou posições nos aspectos sociais,
em relação aos
grandes problemas, paradoxos e dúvidas, que surgem na humanidade
contemporânea?
Existe uma ponte entre Umbanda e ciência (?) _ algo indispensável
e extremamente útil, nos dias de hoje, a estruturação de uma
espiritualidade sadia.

O principal ponto de atuação de uma religião está nos aspectos
subjetivos do "eu". Antigamente, a religião estava
diretamente ligada à lei, aos controles morais e definição de
padrões étnicos de uma sociedade _ vide os dez mandamentos
e seu caráter legislativo, por exemplo. Hoje, mais que um padrão
de comportamento, a religião deve procurar proporcionar
"ferramentas reflexivas" ou
"direções" para as questões existenciais que afligem o ser
humano. Em relação a isso, acreditamos ser riquíssimo o potencial
de contribuição do universo umbandista, mas, para tanto, necessitamos
que muitas questões, aspectos e
interfaces entre espiritualidade umbandista e outras religiões e
ciência sejam desenvolvidos, contribuindo de forma efetiva para que a
religião concretize um pensamento profundo e integral em relação
ao ser humano, assumindo de vez uma
postura atual e vanguardista dentro do pensamento religioso. Entre essas
questões, podemos citar:

_ Um estudo aprofundado dos rituais umbandistas, não apenas em seus
aspectos "magísticos", mas também em seus sentidos
culturais, psíquicos e sociais. Como uma gira de Umbanda, através
de seus ritos, cantos e danças, envolve-se com o
inconsciente das pessoas? Como podem colaborar para trabalhar aspectos
"primitivos" tão reprimidos em uma sociedade pós-moderna
como a nossa? Como os
ritos ganham um significado coletivo, e quais são esses significados?
Grandes contribuições a sociologia e a antropologia podem dar à
Umbanda.

_ Uma ponte entre as ciências da mente – como a psicanálise,
psicologia – e a mediunidade, utilizando-se da última também
como uma forma de explorar e conhecer o inconsciente humano. Mais do que
isso, os aspectos psicoterápicos de
uma gira de Umbanda e suas manifestações tão
míticas-arquetípicas. Ou será que nunca perceberemos como uma
gira de "erê", por exemplo, além do trabalho espiritual
realizado, muitas vezes funciona como uma sessão de psicoterapia em
grupo?

_ A mediunidade como prática de autoconhecimento e porta para
momentâneos estados alterados de consciência que contribuem para o
vislumbre e o alcance permanente de estágios de consciência
superiores. Além disso, por que não a
prática meditativa dentro da Umbanda (?) _ prática essa tão
difundida pelas religiões orientais e que pesquisas recentes dentro
da neurociência demonstram de forma inequívoca seus benefícios
em relação à saúde física, emocional e
mental.

_ Uma proposta bem fundamentada de integração de
corpo-mente-espírito.
Contribuição muito importante tanto em relação ao bem estar do
indivíduo, como também dentro da medicina, visto que a OMS
(Organização Mundial da Saúde) hoje admite que as doenças
tenham como causas uma série de fatores dentro de um paradigma
bio-psíquico-social caminhando para uma visão ainda mais
holística, uma visão bio-psíquico-sócio-espiritual.

_ O estudo comparativo entre religiões, com uma proposta de
tolerância e respeito as mais diversas tradições. Por seu
caráter sincrético, heterodoxo e anti-fundamentalista, a Umbanda
tem um exemplo prático de paz as inúmeras
questões de conflitos étnico-religiosos que existem ao redor do
mundo.

_ A liberdade de pensamento e de vida que a Umbanda dá as pessoas
também deveria ser mais difundido, visto que isso se adapta muito bem
ao modelo de espiritualidade que surge como tendência nesse começo
de século XXI. Parece-nos
que a Umbanda há muito tempo deixou de lado a velha ortodoxia
religiosa de "um
único pastor e único rebanho", para uma visão heterodoxa de
se pensar espiritualidade, onde ela assume diversas formas de acordo com
o estágio de desenvolvimento consciencial de cada pessoa, o que vem
de encontro – por exemplo
– com as idéias universalistas de Swami Vivekananda e seu
discurso de "uma Verdade/Religião própria para cada pessoa na
Terra". E a Umbanda, assim como
muitas outras religiões, pode sim desenvolver essa multiplicidade na
unidade.

_ O resgate do sagrado na natureza e o respeito ao planeta como um
grande organismo vivo. Na antiga tradição yorubana tínhamos um
Orixá chamado Onilé, que representava a Terra planeta, a mãe
Terra. Mesmo que seu culto não tenha se
preservado, tanto nos candomblés atuais como na Umbanda, através
de seus outros "irmãos" Orixás, o culto a natureza é
preservado e, em uma época crítica em
termos ecológicos, a visão sagrada do planeta, dos mares, dos
rios, das matas, dos animais, etc - ganha uma importância
ideológica muito grande e dota a espiritualidade umbandista de uma
consciência ecológica necessária.

_ O desenvolvimento de uma mística dentro da Umbanda, onde elementos
pré-pessoais como os mitos e o pensamento mágico-animista, possam
ser trabalhados dentro da racionalidade, levando até mesmo ao
desenvolvimento de
aspectos transpessoais, transracionais e trans-éticos dentro da
religião. A identificação do médium em transe com o Todo
através do Orixá, a trans-ética que deve reger os trabalhos
magísticos de Umbanda, os insights e a lucidez
verdadeira que levam a mente para picos além da razão e do alcance
da linguagem, o fim da ilusão dualista para uma real compreensão
monista através da iluminação, são exemplos de aspectos
transpessoais que podem ser (e faltam ser)
desenvolvidos dentro da religião.

_ Os aspectos culturais, afinal Orixá é cultura, as entidades de
Umbanda são cultura o sincretismo umbandista é cultura. Umbanda
é cultura e é triste perceber o descaso, seja de pessoas não
adeptas, como de umbandistas, que
simplesmente não compreendem a importância cultural da Umbanda e
da herança afro-indígena na construção de uma identidade
nacional. A arte em suas mais
variadas expressões tem na Umbanda um rico universo de inspiração.
Cabe a ela apoiar e desenvolver mais aspectos de sua arte sacra.

Essas são, ao nosso entendimento, algumas das
"questões-desafios" que a Umbanda tem pela frente,
principalmente por ser uma religião nova, estabelecendo-se em um
mundo extremamente multifacetado como o nosso. Muito mais
poderia e com certeza deve ser discutido e desenvolvido dentro dela.

Apenas por essa introdução já se pode perceber a complexidade da
questão e como é impossível ter uma resposta definitiva a
respeito de tudo isso. Muitos
podem achar que o que aqui foi dito esteja muito distante da realidade
dos terreiros. Mas acreditamos que a discussão é pertinente,
principalmente devido ao centenário, onde muito mais que festas,
deveríamos aproveitar esse momento
para uma maior aproximação de ideais e pessoas, além de uma
sólida estruturação do pensamento umbandista. Esperamos em outros
textos abordar de forma mais profunda e propor algumas idéias a
respeito das questões e relações aqui
levantas. Esperamos também que outros umbandistas desenvolvam esses
ou outros aspectos que acharem relevantes e caminhemos juntos em busca
de uma espiritualidade sadia, integral e lúcida.

"Fernando Sepe''
Postado no Grupo de Estudos Boiadeiro Rei
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