Onilé é uma divindade feminina relacionada aos aspectos essenciais da natureza, e originalmente exercia seu patronato sobre tudo que se relaciona à apropriação da natureza pelo homem, o que inclui a agricultura, a caça e a pesca e a própria fertilidade. Com as transformações da sociedade iorubá numa sociedade patriarcal, que implicou a constituição de linhagens e clãs familiares fundados e chefiados por antepassados masculinos, as mulheres perderam o antigo poder que tiveram numa primeira etapa (um mito relata que, numa disputa entre Oiá e Ogum, os homens teriam arrebatado o poder que era antes de domínio das mulheres).
Os antepassados divinizados tomaram o lugar das divindades primordiais e houve uma divisão de trabalho entre os orixás. As divindades femininas antigas tiveram então o seu culto reorganizado em torno de entidades femininas genéricas, as Iyá-Mi-Osorongá, consideradas bruxas maléficas pelo facto de representarem sempre um perigo para o poderio masculino, e vários orixás tiveram dividido entre si as atribuições de zelar pela Terra, agora dividida em diferentes governos: o subsolo ficou para Omulu-Obaluaê e para Ogum, o solo para o orixá-Ocô e Ogum, a vegetação e a caça para os Odés e Ossaim e assim por diante. A fertilidade das mulheres foi o atributo que restou às divindades femininas, já que é a mulher que pare, que reproduz e dá continuidade à vida.
Constituíram-se elas então em orixás dos rios, representando a própria água, que fertiliza a terra e permite a vida: são as Iyabás Iemanjá, Oxum, Obá, Oiá, Euá e outras e também Nanã, que como antiga divindade da terra, representa a lama do fundo do rio, simbolizando a fertilização da terra pela água.
Onilé teve o seu culto preservado na África, mas perdendo muitas das antigas atribuições. Hoje ela representa a nossa ligação elemental com o planeta em que vivemos, a nossa origem. É a base de sustentação da vida, é o nosso mundo material. Embora sua importância seja crucial do ponto de vista da concepção religiosa de universo, os devotos a ela pouco recorrem, pois seu culto não trata de aspectos particulares do mundo e da vida quotidiana, preferindo cada um dirigir-se aos orixás que cuidam desses aspectos específicos.
No Brasil, como aconteceu com outros orixás, o seu culto quase desapareceu. Certamente um factor que contribuiu para o esquecimento de Onilé no Brasil é o facto de que este orixá não se manifesta através do transe ritual, não incorpora, não dança.
Outros orixás importantes na África e que também não se manifestam no corpo de iniciados foram igualmente menos considerados no Brasil que, por influência do kardecismo, atribui um valor muito especial ao transe. Foi o que aconteceu com Orunmilá, Odudua, Orixá-Ocô, Ajalá, além da Iá-Mi-Oxorongá. É interessante lembrar que o culto de Ossaim sofreu no Brasil grande mudança, passando o orixá das folhas a se manifestar no transe, o que o livrou certamente do esquecimento. O culto da árvore Iroco também se preservou entre nós, ainda que raramente, quando ganhou filhos e se manifestou em transe, sorte que não teve Apaocá.
Na Nigéria mantém-se viva a ideia de que Onilé é a base de toda a vida, tanto que, quando se faz um juramento, jura-se por Onilé. Nessas ocasiões, é ainda costume pôr na boca alguns grãos de terra, às vezes dissolvida na água que se bebe para selar a jura, para lembrar que tudo começa com Onilé, a Terra-Mãe, tanto na vida como na morte.
- Reginaldo Prandi -
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