Quem já ouviu falar em catimbó? Todos já ouvimos, mas como somos leigos achamos que catimbó-jurema é sinônimo de baixo espiritismo, ou que catimbó-jurema esteja se referindo à querida Cabocla Jurema. Através deste texto vamos esclarecer um pouco sobre este lindo culto. Como nas religiões existem nações diferentes, no catimbó temos ramificações diferentes também.
Para começar, vamos explicar que a jurema é uma árvore que floresce no agreste e na caatinga nordestina. Da casca de seu tronco e de suas raízes faz-se uma bebida mágico-sagrada que alimenta e dá força aos “encantados do outro mundo”.
A jurema já era cultuada na antigüidade por pelo menos dois grandes grupos indígenas, o dos Tupis e o dos Cariris. Com a chegada dos brancos e a catequização dos índios, surge o catimbó-jurema que recebeu não só elementos católicos como os da bruxaria européia, mas foi com a chegada do negro que o catimbó ganhou força. O catimbó nasceu no nordeste brasileiro.
Antigamente os juremeiros consagrados, chamados de mestres vivos, cultuavam as entidades no pé da jurema preta (árvore espinhosa onde habitam os senhores mestres). Mas o acesso ao pé da jurema ficou difícil, então os juremeiros fizeram os assentamentos em troncos de jurema, pois ela é o grande fundamento do catimbó. É com a casca da jurema preta que se faz banhos, as folhas são usadas no fumo e são feitos remédios como garrafadas para diversos males.
Desse modo, o símbolo da árvore que liga o mundo terreno ao além, embora amarga, dá sapiência aos que dela se alimentam, ganha novos significados surgindo um mito com traços cristãos. Neste sentido a jurema surge como a árvore que escondeu a “sagrada família” de Herodes durante a fuga para o Egito ganhando desde então suas propriedades mágico-religiosas.
“Onde Jesus descansou, que dá força e ciência, a jurema é um pau sagrado ao bom mestre curador.”
Apesar de encontrarmos nos pontos de umbanda a referência à jurema, é o catimbó que tem a jurema como o centro e o principal elemento de seu culto. Dada a importância dessa planta para o rito, criou-se todo um sistema de crenças em torno dela. A árvore da jurema tornou-se análoga à “árvore da vida” de tantas mitologias, o eixo do mundo que liga terra e céu e em cujo corpo se organiza o mundo mortal e divino. No catimbó, a jurema é a morada dos encantados (espíritos dos mortos). Esse mundo, chamado jurema, é dividido em reinos, estados, cidades e aldeias, cada qual habitado e governado por determinados mestres.
Catimbó é uma prática baseada no cristianismo de onde se apóia toda a sua doutrina religiosa. Ele não é candomblé e não é umbanda como se conhece comumente, mas pode ser considerado uma manifestação de umbanda. Não é uma religião ou seita, podemos considerá-lo um culto, uma vez que não encontramos os elementos estruturados que são característicos, como os fundamentos religiosos próprios com liturgias e dogmas. Tem uma raiz indígena, mas muitos praticantes minimizam esta origem e a influência africana devido ao preconceito que essas culturas sofrem. A influência afro-ameríndia é notada em qualquer reunião de catimbó no país.
Não há dúvida de que o catimbó é xamanista, com muitas práticas de pajelança, mas não é baseado em caboclos e sim em mestres, apesar dos caboclos também terem participação. Ele pode se parecer um pouco com a umbanda, mas nem um pouco com candomblé. A semelhança com a umbanda é devido ao trabalho com entidades incorporadas, entretanto os mestres do catimbó possuem uma incorporação muito típica e discreta.
O instrumento essencial do catimbó é o cachimbo (sempre fumado ao contrário) com o qual o mestre fuma sua mistura de ervas preferidas ou a que considera adequada para resolver o problema de uma pessoa. O método de magia e cura mais usado pelos mestres do catimbó é defumar a pessoa com a fumaça do cachimbo enquanto recitam orações adequadas ao caso e executam os gestos rituais adequados.
O catimbó é uma atividade mágica essencialmente prática. Seu objetivo é sempre tentar encontrar soluções para os problemas imediatos das pessoas. Geralmente são a necessidade de curar uma doença, o desejo de atrair a pessoa amada, a busca de sucesso e prosperidade, a vontade de afastar inimigos ou de eliminar mau-olhado ou feitiços.
Esse espaço chama-se Mesa de Jurema. A abertura da mesa é uma liturgia simples, mas significativa e bonita. Deve ser um ritual importante e solene. Cada um pode ter sua forma de trabalhar com o mundo espiritual, mas a solenidade de abertura é sempre tocante.
Na mesa os materiais necessários para o consumo da jurema são: tigelas, copos e jarros. Para uso do fumo são: cachimbos, cigarros e charutos. Também são necessários os apetrechos dos mestres e outros materiais como água, flores, cachaça e pedras.
Antes de iniciar o ritual deve-se louvar o Nosso Senhor Jesus Cristo, pedindo licença para abrir a mesa exaltando a força da jurema. Podem ser recitadas preces como a de Cáritas e entoados cânticos de abertura. Para chegar à mesa o ritual se desdobra em três momentos: o primeiro é o da colheita que será feita com a permissão do mestre de catimbó; o segundo é o preparo da casca da raiz macerada em água. Pronta e consagrada a “poção mágica”, será usada no terceiro momento que é a mesa de jurema onde todos os participantes vestindo roupas brancas ou coloridas bebem a jurema e depois dançam e cantam até atingir o transe que permitirá a manifestação dos mestres.
Após a abertura da mesa é chamado o mestre que abre os caminhos para os outros (o que é bem semelhante à função do Exú na umbanda). Depois são chamados os outros mestres, pois eles possuem características e funções diferentes. Os presentes fazem as consultas e os mestres executam o que julgam necessário. Terminado o trabalho o mestre que abriu a mesa é chamado para fechar a sessão e o trabalho é encerrado.
A iniciação no catimbó se faz com rituais simples, porém significativos. O primeiro ritual pelo qual passa o iniciando é a jura no qual ele deve se confirmar como um discípulo da jurema. O iniciando fica em reclusão durante sete dias. Nesse período o jogo de búzios indica as sete ervas que deverão ser oferecidas ao mestre do mesmo. Dessas uma será consagrada para o banho de ritual do iniciado. Com o passar do tempo e sua evolução ele irá receber o seu cachimbo que será consagrado por um mestre. Será através deste cachimbo que ele fará seus trabalhos. Finalmente após alguns anos ele deverá realizar o tombo onde se confirmará como um mestre em vida do catimbó.
O tombo da jurema constituiu-se no processo pelo qual os iniciados no pé da jurema, ao acordar, estejam prontos para trabalhar (é dada ao iniciado uma jurema muito forte, que é ingerida, provocando um sono profundo). Contudo o rito foi tornado bem mais complexo que sua referência mística. O tombamento consiste então no oferecimento de alimentos e sacrifícios às correntes espirituais do iniciante. Nele comem caboclos, o mestre, a mestra, o Exú e a Pomba-gira do iniciante. Acontece também a juremação. Ainda durante o sacrifício o iniciante é levado, durante o transe, para correr as cidades espirituais. O caboclo é alimentado com uma pequena porção de tudo o que foi oferecido. Findo o banquete o caboclo é mandado de volta à sua cidade e o iniciante deverá contar ao seu iniciador o que viu. Se a viagem for considerada válida ele está pronto para trabalhar no catimbó.
Muitos juremeiros dizem que “um bom mestre já nasce feito”, mas alguns ritos são utilizados para fortificar as correntes. O ritual mais simples, porém de muita ciência, é o conhecido como juremação que é a implantação da semente ou ciência da jurema, por baixo da pele do discípulo, onde mais tarde (esta semente) deverá aparecer em outro lugar do corpo.
O termo mestre é de origem portuguesa onde tinha o sentido tradicional de médico, ou segundo Câmara Cascudo, de feiticeiro. Este é o primeiro elemento de ligação do catimbó com tradições européias e mostra também a expressão semântica do trabalho do mestre: a cura e a magia.
De forma geral, os mestres são descritos como espíritos curadores. Dizem os juremeiros que os mestres foram pessoas que quando em vida possuíam conhecimentos de ervas e plantas curativas. Não existem mestres do bem ou do mal. Eles podem fazer o bem ou o mal de acordo com sua conveniência, a ordem da casa ou da ocasião.
Nesta generalização, podemos entender bem o porquê do culto do catimbó. Em uma região dominada pela pobreza e falta de assistência, a população carece de assistência médica, pois a doença é um temor presente. Os mestres são enviados para socorrer e aliviar o sofrimento dos necessitados, oferecendo a medicina fitoterápica (as ervas que são usadas nas garrafadas), herdada dos índios. Por outro lado em regiões de pessoas simples, que são ameaçadas por poderosos e violentos jagunços, os mestres se colocam como anjos vingadores para proteger e defender essa gente desamparada. Dessa maneira podemos entender que os caminhos de Deus são inúmeros e que a espiritualidade se manifesta da forma como é necessária para garantir uma vida justa e decente aos habitantes desta terra fria.
Dentre os mestres do catimbó, o mais famoso é Zé Pelintra, presente em todos os catimbós e respeitado na umbanda como membro do “povo de rua”. Mestre de grande força é muito hábil para livrar de inimigos e doenças, dar sorte no jogo e no amor. O catimbó de seu Zé Pelintra se baseia no antigo e verdadeiro catimbó da jurema. Dentro da umbanda, sem ser muito percebido, Zé Pelintra pratica, e muito, seu catimbó. Nas situações mais difíceis, perante os seres humanos que se julgam, às vezes, mestres, que se acham muito entendidos nos assuntos espirituais de umbanda e candomblé, Zé Pelintra sempre se mantém humilde.
A vaidade humana é sem dúvida o atraso das obras espirituais. Devemos sempre aprender a sermos humildes e nos considerar sempre um eterno aprendiz, pois o mestre sempre está aprendendo com outro mestre.
No catimbó de seu Zé Pelintra a bebida por ele utilizada (vinho da jurema) é feita a partir da árvore sagrada, com folhas da jurema branca, rapadura e outros mistérios e serve para curar males físicos do corpo e é usada em rituais sagrados do catimbó. A jurema preta é usada para lavar as feridas infectadas e assim cicatrizá-las. O fumo utilizado é de charutos nobres e a macaia para curas externas. As rezas são variadas e a mesa, sempre com muita fartura, sob a égide do Patrono Santo Antônio. Temos também os caboclos, as caboclas, as sereias e caboclas d’água, os preto-velhos, os ciganos e magos. Todos são feiticeiros e curandeiros fortíssimos e fazem magias, retiram feitiços e curam doenças.
Catimbó não é umbanda, não é candomblé, catimbó é catimbó. Todos são irmãos, e irmãos devem se respeitar.
Saravá, que a jurema sagrada cubra de sabedoria a todos nós!
Postado no Grupo de Estudos Boiadeiro Rei
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O espaço sagrado do catimbó
Mas afinal, o que é catimbó?
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