Sincretismo quer dizer a combinação de diversos princípios e sistemas; ecletismo; amálgama de concepções heterogêneas.
É o somatório de diferentes filosofias que geram uma igualdade. Entendemos que a Umbanda por ser sincrética em seu nascimento e formação, apresenta a disposição de convergir para pontos em comuns o que se apresenta sob diversas formas e nomes em todas as outras religiões do planeta. A contrário da opinião de zelosos religiosos, isto não a enfraquece doutrinariamente, não conspurca uma falsa pureza que outras religiões afirmam possuir e não a deixa menor do que qualquer culto ou doutrina mediúnica. Há que se comentar que a diversidade é da natureza universal e nada é igual no cosmo, nem mesmo as folhas de uma mesma árvore. Assim, Umbanda se apresenta como a mais universalista e convergente das religiões existentes no orbe na atualidade.
Não poderíamos deixar de comentar o preconceito que ainda existe em relação à raça negra, particularmente a tudo que é oriundo da África *, o que se reflete irremediavelmente na passividade mediúnica, advindo as proibições descabidas e os conflitos que não levam a lugar algum. Este atavismo também se impregna nos homens que estão na Umbanda, afinal não somos melhor que ninguém. Especialmente quanto a origem africana da Umbanda - também temos a origem indígena e branco judaico-católico-espírita -, lamentavelmente persistem os ranços na busca de "pureza" doutrinária, como se tudo que viesse do continente africano seja de um fetichismo sórdido e da mais vil magia negativa. Isto não é procedente e temos que ser fiéis a verdade que está próxima de nossa história recente e anunciação da Umbanda na Terra. Se não fossem os africanos não teríamos a força e a magia dos Orixás hoje no movimento umbandista, embora saibamos que em muitas outras culturas estes conhecimentos se manifestaram, inclusive entre nossos índios e voltando no tempo chegamos até os primórdios das civilizações mais antigas do planeta. Sendo fiéis a nossa historicidade, sem sobra de dúvidas, foram os africanos no interior das senzalas insípidas e inodoras que inteligentemente sincretizaram os Orixás com os santos católicos perpetuando-os em berço pátrio até os dias atuais.
Vamos resgatar um pouco desta origem, digna de todo nosso respeito e veneração. Na época da escravidão, houve um sincretismo afro-católico, principalmente nas áreas rurais da Bahia e do Rio de Janeiro, denominado Cabula. Segundo pesquisas de historiadores, refere-se aos rituais negros mais antigos, envolvendo imagens de santos católicos sincretizados com os Orixás, herança da fase reprimida nas senzalas dos cultos africanos, onde os antigos sacerdotes mesclavam suas crenças e culturas com o catolicismo para conseguirem praticar e perpetuar sua fé. Quando no final do século XIX ocorre a libertação dos escravos, a Cabula já era amplamente presente como atividade religiosa afro-brasileira. Este sincretismo foi mantido após a anunciação da Umbanda em 1908 pelo Caboclo das Sete Encruzilhadas. No Rio de Janeiro de então e antes da origem oficial da Umbanda, eram comuns práticas afro-brasileiras similares ao que hoje ainda se conhece como Cabula e Almas e Angola. Cremos que o surgimento da Umbanda forneceu as normas de culto para uma prática ritual mais ordenada, orientada para o desenvolvimento da mediunidade e na prática da caridade com Jesus em auxílio gratuito a população pobre e marginalizada do início do século passado.
No presente, podemos afirmar que é majoritária a presença dos Orixás na prática doutrinária da Umbanda, inclusive cada vez mais crescendo o culto com as imagens simbólicas em formas originais africanas, também pelo fato que o entendimento da reencarnação indica à coletividade umbandista que muito dos santos católicos podem ter reencarnado.
Como dirigente fundador de um terreiro de Umbanda - Choupana do Caboclo Pery-, e de acordo com meus compromissos cármicos com os amigos do lado de lá, fomos orientados a cultuarmos os Orixás na forma africana, em se tratando de imagens para apoio visual a nossa adoração. Não temos nada contra quem cultua diferente e convivemos harmoniosamente com a diversidade universalista da Umbanda. Dias destes, um médium apreensivo chega para Caboclo Pery e diz de sua preocupação pelo fato de estarem falando que a "nossa" Umbanda é africanista, coisa de "macumbeiro", pelo fato de termos Oxalá, Nanã e Ossanhã no congá e demais Orixás africanos no templo, e que isto não era Umbanda, conforme estavam dizendo. O Caboclo na sua objetividade e calma peculiar aponta com o indicador para a imagem de um preto velho de terno branco que tem no altar e inicia o seguinte diálogo com o aflito aparelho mediúnico:
- Este aqui pode?
- Sim.
- Por quê?
- Este preto velho está usando um terno, o que significa que ele foi alforriado, pois se fosse escravo não poderia. Logo, deve ser brasileiro e não africano.
- O preto velho do Congo que tu trabalha é africano ou nasceu no Brasil?
- Não sei dizer.
- Isto tem importância para você fazer a caridade com ele?
- Não.
- Meu filho, não perca tempo com os preconceitos das pessoas, pelo que dizem ou não. Olha para dentro do teu coraçãozinho e aprende com as entidades que te assistem. Verticaliza teu orgulho, desce do pedestal e te iguala aos outros te permitindo ver quem está ao teu lado te assistindo. Enxerga o que é feito dentro deste humilde terreiro e conclui se há algo que contraria os desígnios maiores do Cristo, que estão em todas as raças deste planeta tão judiado pelas emanações mentais dos homens. As raças foram criadas para que vocês consigam se libertar da superioridade uns com outros. Inevitável que encarnarão em todas para aprenderem que as diferenças somam e não separam na igualdade maior de Deus; o amor incondicional para com todas as sua criações, livre de nomes e formas. Vai, abaixa a tua cabeça que as trombetas da caridade estão soando, não temos mais tempo para a orgulhosa soberba racial, que tanta guerra fratricida religiosa ainda causa na crosta.
Escrito por Norberto Peixoto |
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