Salve filhos do terreiro.
Essa “nega veia”, inxirida como ela só, tantas vezes desce no terreiro, senta no seu toco e fica faceira como criança que ganha um pirulito, olhando os filhos trabalhar na caridade.
Nos tempos de senzala, ainda criança que mal caminhava, minha mãe de leite que havia me acolhido órfã, comentava: - “essa negrinha tem olho espichado e orelha de abano, pois vê e ouve até o que Deus duvida”.
E como pau torto que ainda sou, pois não é porque estou no lado onde ficam os mortos que consegui curar minhas imperfeições, vou seguindo de olho espichado e ouvido atento, hoje tentando usar isso para os auxiliar e me melhorar.
E esses olhos e ouvidos que a terra não conseguiu comer...eh...eh...eh, observam como a matéria fragiliza o homem!
E por que será? A maioria dos homens anda como uma carroça invertida - os burros dirigem e o carroceiro puxa.
Por certo, quem tem que nos dirigir sobre a face da terra, é o espírito onde reside toda sabedoria, toda luz e que por isso se eternizou. Mas quando na matéria o homem permite que o ego tome a direção e sendo ele perene e arbitrário, condena-o a rastejar imantado ao magnetismo do planeta.
E aqui mesmo, dentro do terreiro, quantas vezes os observo contrariando a belezura da roupa branca que vestem, tendo a alma escura pelos sentimentos e pensamentos que deixam fluir, contaminando o ambiente sagrado.
Chegam trazendo o azedume que carregam e o mínimo esbarrão, um pequeno deslize do irmão de corrente já serve para empunhar a machadinha de Xangô e decepar cabeças, sem dó nem piedade. O que não percebem ainda, é que eles próprios são tão cabeça dura, tão rígidos que mais parecem uma pedreira. Outros, cuja falta de humildade envolve seus corações empedernidos, entram com a lança de Ogum em riste fazendo suas próprias leis, alheios às normas e diretrizes da Casa que os acolhe e, embora devedores, se arvoram de cobradores. Outros ainda, ocultando sua fragilidade e medo, empinam o nariz para se colocar de fortes e guerreiros e assim “incorporam” Iansã lançando raios e faíscas ao seu redor, impondo um falso respeito. E aqueles que vestem a camiseta de “vítima”? Tudo dói, tudo machuca, todos estão contra eles e até um olhar confundido os derrete e aí derramam cachoeiras de lágrimas... sem contar o beiço caído, maior que o de preto velho...eh...eh...eh.
O que eles não sabem, é que as paredes tem ouvidos e que nós, os mortos que compomos o outro lado do terreiro, escutamos seus pensamentos. Mas contrariando as falsas concepções das religiões mais antigas, não estamos aqui para julgar os vivos, nem os mortos...eh...eh...eh, ou castigar os pecadores. Os compreendemos como o Pai nos compreende, pela infantilidade em que ainda vive a humanidade, tão carente de amor e tão pobre de valores.
Por que já passamos tantas vezes pela matéria densa e por ainda convivermos com os encarnados, temos a obrigação de repassar ensinamentos, mas não temos o direito de interferir nas leis, quando estas se fazem aplicar para que se dê a corrigenda. E as vezes ver os filhos sofrendo, nos faz sofrer também.
A despeito de meu desejo, esses olhos espichados não deixam de ver quando os filhos, surpreendidos pela dor, se vitimizam e abandonam a fé. E sem fé, desacreditam de tudo e de todos, deixando brechas enormes para que as trevas tomem conta de seus corações. Junto com a fé, perdem a razão e se tornam escravos do ego.
Filhos do meu coração. Revejam suas atitudes em tempo de evitar mais dores. E o façam enquanto ainda usam o uniforme de carne, pois aqui é o lugar e o tempo de acertar os equívocos. Entendam que a dor maior é aquela do arrependimento, quando não há mais tempo de refazer o caminho.
O terreiro que os acolhe é escola; é hospital; é lar...e ás vezes sanatório. Mas acima de tudo é abençoada empresa onde vossas mãos podem trabalhar na caridade que vos liberta das correntes do passado. Para os que batem o ponto, sempre vem o salário justo.
Não há nada que cegue mais os homens do que o orgulho e o egoísmo. Mas só cegamos quando fechamos os olhos para a dor dos que caminham conosco e nossa ferida só cicatriza quando decidimos curar as feridas dos outros.
Esse é o conselho de quem já sofreu muito, amarrada no tronco do orgulho e chicoteada pelo feitor do egoísmo e que por isso, não deseja ver os filhos na mesma condição.
Olhos espichados, ouvidos alertas! Nossa vida é um canteiro de flores já plantado. A nós cabe regar, adubar e arrancar as ervas daninhas. Só isso!
Saravá! A Bênção de N.S.Jesus Cristo!
Vovó Benta - agosto de 2008.
Leni W.Saviscki
Erechim - RS
"Alguém que busca a verdade não pode se dar ao luxo de ser um egoista.
Se nós pudéssemos apagar os “Eus” e “Meus” da religião, da política, da economia etc...
nos tornaríamos imediatamente livres
e traríamos o céu para a terra. "
Mahatma Gandhi
Mãe Luzia Nascimento
Sacerdotisa de Umbanda
Dirigente do Centro Espiritualista Luz de Aruanda - Fundado em 16 de agosto de 2007
Postado no Grupo de Estudos Boiadeiro Rei
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