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domingo, 19 de dezembro de 2010

Campineiro Rei - Boiadeiro


Apesar do deserto em que se transformou a São Vicente, nas baias ainda o cheiro estrume; a mistura dos suores boiadeiros com a respiração dos animais; o capim molhado pelas chuvaradas quase diárias. O pasto não há mais, é terra empobrecida, moradia de ervas daninhas. O cultivo de hortênsias é morto e tudo o que existe são, quando muito, flores brutas, deseducadas, sem beleza. Ociosa contra a vontade, a roda d\'água como que resmunga silêncios, mau humor. Alguém interpretasse seus protestos mudos, veria: a qualquer instante retornará ao trabalho, assim que a antiga cascata, barulhenta de contentamento, nascer outra vez do interior das pedras. Enquanto isso, lá no fundo da estrebaria, um homem ainda existe. Enxergando os cenários real e imaginário, apesar dos olhos. Respiração embaçada, pálpebras querendo adormecer para sempre.

Nem se pode afirmar aquele caminho fosse uma estrada honesta: antes, trilha aberta na campina já sem personalidade, tanto mato mastigando as margens da antiga ligação entre os vinte e poucos quilômetros existentes entre a cidadezinha e a porteira. Contudo, um sujeito envelhecido demais segue, exato o cansaço personificado num boiadeiro. Já sem o inseparável alazão que há muitas curvas atrás marcara encontro com a morte, após uma vida enorme e cúmplice e sacrificada. Não mais domestica burros xucros, tampouco derruba bois brabos pelos chifres. Nem por isso abandona o chapéu de couro e toda a indumentária típica do ofício. Que não exerce faz tempo. Naquela época era um satisfeito na vida, homem pleno: fedendo a excrementos bovinos; constantes cigarros de fumo desfiado e envolto em palha; aguardente no fim da labuta à noitinha, prosa adernando à esquerda e à direita como bêbada estivesse; as gargalhadas dos manos tão exaustos quanto felizes. Por isso insiste arrastar os pés gretados naquela terra batida que o empurra para a velha fazenda. Quer abraçar novamente, quem sabe pela última vez, seu berço e destino. Antes que a terçã devore suas forças. E as tosses expulsem o restolho de sangue fatigado ainda existente nas artérias do corpo. Corpo? Eufemismo... Melhor rasgar as máscaras do verbo: carcaça viva. Teimosa em manter-se ereta. E é um pé ferido após o outro, lentos sob a noite, marcando descalços o chão amarelo.
Aperta com carinho o cigarro de palha entre os dedos. Respiração difícil. Fumaças, muitas, sobem. Mas não evaporam: como que tangidas por boiadeiros invisíveis, atravessam os janelões da estrebaria e o telhado sem quase nenhuma telha, por onde mergulha um luar azul, oblíquo. Morto em pé, senta. Atira longe o bornal magro. Encosta todas as dores, os músculos exauridos, os ossos, nas tábuas arruinadas da parede lá no fundo da construção. Escarra. Um fio de saliva pende do lábio inferior, querendo fugir. Sede medonha, de quem precisa beber o mundo. Apalpa algibeiras com saudades da santinha, parceiros desde quando se perdeu, molecote, nas brenhas da floresta vizinha à São Vicente, procurando encontrar o primeiro bezerro desgarrado de sua vida. Bolsos vazios, entretanto: ela, também ela, mesmo santa, me disse até nunca mais. Na certa apeou do gibão lá na estrada, esqueceu minha pessoa sem reza que dê jeito. Também... essa pá de morte chegando perto demais... Quantas horas ainda tenho nas mãos? Na verdade verdadeira isso pouco importa agora e na hora de nossa morte. Amém. Resignado, lança fumaças grossas que engolem, névoa, todo o ambiente. Enquanto as janelas se fecham, mansas. Com aquela mesma sabedoria disfarçada de velhinhas simpáticas quando estas em suas casinhas abrem calmas e risonhas as janelas que sempre cumprimentam varandas e terreiros.

A lua parece enfastiada, sem muita vida, mas ainda encontra ânimo para alumiar, luminária característica dos palcos teatrais, cena que aos poucos e mal definida vai se construindo a alguns metros diante do cristalino direito, neblinado pela catarata: um boiadeiro, menino que só, adentra a estrebaria conduzindo novilhos; lá fora é sol bastante para mangalargas tranqüilos no pasto, imenso e gramíneo mar; dois cabras à toa encostados no mata-burro, outros tantos aboiando três, quatro, manadas; mãos mulheres aguando hortênsias; brincadeiras de crianças com os perdigueiros; braçais e o debulho no paiol onde o milho diariamente os espera; uma falange de gansos passa grasnando, na mesma afobação de quem furta; a roda d\'água gira feliz, com seu ritmo compassado e uma certa música que aplaude a vida contagiante da São Vicente. Imagens que se repetem iguais na mesma seqüência, videoteipe infinito. Contudo, não usasse também os olhos do devaneio e da lembrança, enxergaria sem muita nitidez: os nevoeiros do cigarro de palha e do olho enfermo são espessos demais para permitir.
Agora resta um nada, se a memória não o engana. Mais outra curva, depois aquele antigo córrego tão filete d\'água que nunca mereceu ponte. O sol, encerrado o expediente no mundo, fecha as pálpebras: o firmamento veste um longo preto, vestido de noite. Existe uma lua cortejada por estrelas apaixonadas, cada qual pretendendo-se mais diamante. Constelações, criaturas femininas, são mesmo assim... brincos pingentes que parecem balançar na ventania gelada que sopra de todos os lados do planeta. A mesma friagem que, até certo ponto, cauteriza dores musculares e as provocadas pelos ferimentos. Os machucados de aqui dentro (oxalá eu tivesse sabença pra entender todos eles) até nem doem tanto, de tanto que é boniteza esse céu piscando feliz pra mim...

Boiadeiro velho e sem préstimo cuja vontade única na vida é morrer com algum sossego, a beleza da noite o faz lembrar da primeira e inesquecível imagem que possui guardada de sua própria pessoa, quando ainda criança: sentado num mourão de cerca, ele observava, boquiaberto, Campineiro domar égua alazã arredia por demais. Os gritos, a firmeza no laço, o animal escoiceando até cansar, a força física teoricamente impossível àquele corpo magro. Aí chegou perto de mim, suarento, olhar secava qualquer pimenteira, a cara franzida. Cruzei os braços. Encarei sério e com medo a pessoa mais benquista de toda São Vicente, logo depois da Sinhá. Por quanto tempo ficamos medindo a gente? Complicado saber, tenho cabeça fraquejada pra contas. Só me perguntava quem de nós ia arredar os olhos primeiro. Eu é que não! No final ele riu um bocado da nossa peleja sem palavras e disse aos companheiros: homem, seu menino! E não é bem verdade que esse cabôco miúdo aqui vai ser cabra-macho?! Podem escrevinhar! Daqueles batutas que esbofeteiam a cara de touro metido a brabo, e o bichão, com chifre e tudo, esconde a rabiola entre as pernas, igualzinho que nem cachorro frouxo. Ouça, moleque: em nome do boiadeiro raçudo que você vai ser, eu te batizo Campineiro Rei. Vai me substituir à altura, tenho certeza. E estamos conversados. Agora cama, que a noite hoje está agalopada... falta uma migalha qualquer de tempo pra ela apear por essas bandas. Volte amanhã, e depois, e depois... e sempre. Vou ensinando manso as espertezas da labuta. Só tem uma coisa que não posso dar ensinamento: a sua cantiga. Cada um desses aí ó, bons no laço, tem uma. Mais logo, quando for dormir, aconselho moer o bestunto na modinha que vai te seguir por toda a vida. Desça da cerca. Agora vá. Lugar pra menino quando o céu está assim todo belezura de estrelas é debaixo das cobertas, a cabeça no travesseiro e as idéias cavalgando outras estrelas, as do pensamento... Oxente!... Êta ferro, que um palavrório arretado de bonito trepou em mim de jeito hoje, cabroeira!...
A brasa do cigarro adormece lenta, fazendo companhia à secura da sozinhez, à evaporação daquela vida com cheiro de capim e estrume que estava ali há não faz muito. Imagens, sons da São Vicente... para onde? A guimba ele esmaga entre as mãos trêmulas, e farrapos do fumo escapam pelos dedos e repousam no chão. Querendo brotar? É poeira de lama seca, a terra, contudo. Dói os olhos a febre incandescente, ruminando o corpo rarefeito. Paredes erguidas com tábuas irregulares, lazarentas, vêm abaixo, um segundo após o outro. Uma a uma. Como pedras dominós, caem para o lado externo da estrutura. Desabam sobre o terreno ocupado pelo abandono. Os caibros, que um dia foram leito para telhas serenas, porém, não: continuam. Pilastras de madeira sustentam. A lua, esposa que reconhece não haver mais espaço para exibir ao amado sua feminilidade, entristece e murcha, se liquefaz em lágrimas: chuvisca. Conseqüência, estrelas infelizes por verem destronada a rainha do céu noturno, fogem para a Terra, em disfarces pirilampos. Súditas, órfãs, apaixonadas. Aos milhares, voam em fila mais ou menos indiana a partir do horizonte. Seguem em procissão, velas acessas que piscam alternadas. A caminho do corpo boiadeiro, alquebrado corpo, quase falecido e quase vivo corpo.

Não obstante a catarata, ilumina-se com o próprio sorriso ao enxergar, logo após a curva, a fazenda. O negrume mal transgredido pela claridade escassa da lua torna difícil cores e pormenores das construções capengas existentes atrás da porteira semiaberta, carcomida; o pasto expulso pelo matagal; o paiol tão ferido que irreconhecível; a casa-grande é um esforço heróico em manter-se digna, colonial, nariz em pé como nos tempos de ontem; a estrebaria destelhada. Entretanto, os dois ipês, que jamais negavam sorrisos a quem visitante do latifúndio, conservam-se flores, lindos. Quanta boniteza, Santinha! Ato num repente: joelhos se machucam nos pedregulhos do chão, persigna-se. Emoções, risca no pó do caminho uma reza querida. Outra crise de tosse, agora acompanhada de muita dor no tórax. Levanta-se, ultrapassa a porteira em direção à estrebaria para morrer em paz. Entra. Apóia as costas na parede. Deixa escorrer o corpo. Senta. Põe para funcionar o cigarro de palha, espécie de amigo.
Cadáver ainda não morto por completo, uns sangues arteriais vêm à boca em golfadas. E o mundo é um planeta vermelho. Semicerra as pálpebras, rindo satisfeito porque a vida lhe diz adeus. Ainda existe tempo para enxergar os vaga-lumes se aproximando velozes. A cabeça pende ligeiramente para a esquerda. Uma lágrima do olho débil escorrega, inunda a íris vizinha que aos poucos embranquece... embranquece... encatarata. Agora dois, os olhos leitosos não vêm os besourinhos iluminados pousarem todos no corpo que, num último fôlego canta a velha toada composta por ele quando estava aprendendo a função boiadeira:
_ Eu vou tanger minha boiada entre as estrelas do céu...
Cumprimentar minha sinhá com o meu chapéu...
Que é de couro sim...
Sou Campineiro Rei...





Postado no Grupo de Estudos Boiadeiro Rei

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“A Umbanda não é responsável pelos absurdos praticados em seu nome, assim como Jesus Cristo não é responsável pelos absurdos que foram e que são praticados em Seu nome e em nome de seu Evangelho.”


SIGNIFICADOS QUANTO AO FORMATO DA VELA



 
Cones ou Triangulares: equilíbrio, elevação.
Quadradas: estabilidade, matéria.
Estrela: espiritual, carma.
Pirâmide: realizações matérias.
Cilíndricas: servem para tudo.
Animais: para o seu animal protetor.
Lua: para acentuar sua energia intuitiva.
Gnomo: para seu elemental da terra.
Cone ou Triangulares: simbolizam o equilíbrio. Tem três planos: físico, emocional e espiritual.
Velas Cônicas: são voltadas para cima e significam o desejo de elevação do homem, sua comunicação com o cosmos.
Velas Quadradas: Simbolizam estabilidade na matéria. Seus lados iguais representam os quatro elementos: Terra, Água, Fogo, Ar.
Velas em Formato de Estrela de Cinco Pontas: É o símbolo do homem preso na matéria. Representa o carma.
Velas Redondas: Simbolizam mudança. E a energia mais pura do astral que só a mente superior alcança.