A viagem de boiadeiro
Há um grande movimento na fazenda Monte Verde, localizada a oeste do estado de São Paulo. O capataz reuniu os peões boiadeiros e todos os responsáveis pelo transporte do gado, que irá viajar por terra. Inicialmente são reunidos vários sinuelos, gados mansos e treinados. Estes animais amestrados não se assustam com facilidade e obedecem sempre o toque do berrante. A viagem está prevista para dezesseis dias, com paradas e boas aguadas, de seis em seis horas, não viajando à noite. Serão transportadas 500 cabeças de gado, utilizando-se para tanto, oito peões boiadeiros.
Os peões
Ponteiro é o peão que vai à frente da boiada. É o olheiro da estrada, conhecendo-a de ponta a ponta. Responsável pela segurança do gado, toca o berrante para cada situação diferente. Por exemplo, o primeiro toque é para afinar a boiada, quando a estrada é estreita, o segundo toque, para juntar o gado, quando a estrada é larga para manter os animais juntos; o terceiro toque, para avisar perigo e o quarto para preparar o gado para o descanso, quando em local de pouso.
O cozinheiro
Outro peão de muita importância é o cozinheiro, homem simples e solitário, que viaja montado em seu burro e acompanhado de dois cargueiros, burros que carregam, em seu lombo, duas bruacas (mala de couro cru para o transporte de alimentos: arroz, farinha etc. e vasilhames: caldeirão, panelas, bules, etc.). O cozinheiro viaja até encontrar a aguada para acampar e preparar o almoço aos companheiros.
O auxiliar
O auxiliar do capataz é o segundo homem mais forte e autoritário entre os peões. Ele transmite as ordens do capataz. É valente e destemido, mas honesto com os demais boiadeiros. Raramente há desavenças entre eles.
O capataz
O capataz é contratado pelo proprietário da fazenda. Ele controla a compra e a venda dos gados e das tropas, contrata os melhores peões, faz o possível para manter a fazenda em ordem e procura ser amigo dos boiadeiros. Além disso, conserva, sempre em dia o livro de registro, onde são anotadas as altas e baixas das criações, o pagamento dos peões etc.
Na leva da boiada, quando em grande quantidade, faz questão de seguir junto com os boiadeiros, cuja função é a de observar e contar as cabeças. É o único que viaja bem vestido, apesar de usar roupas de linha próprias para enfrentar a poeira da estrada. Não tem lugar fixo: ora está na traseira, entre o poeirão que encobre totalmente a visão, ora se encontra no meio, dando ordem a um peão, ou ainda na frente, junto ao ponteiro. Seu cavalo é de puro-sangue, pêlos vermelhos com largas mechas brancas acima das patas dianteiras e até o pescoço, tendo, no nó central, uma pequena cabeça de boi de marfim.
A partida
O galo cantou, os cachorros ladraram, os primeiros raios de sol apareceram rompendo a escuridão da madrugada. Está tudo pronto para iniciar a longa viagem. Os peões estão reunidos defronte a "casa grande" junto de suas famílias. O capataz faz uma oração, pedindo bênção e proteção durante a viagem. Os moleques montam, então, no dorso nu dos cavalos e saem em carreira até a grande porteira, abrindo-a e provocando o poético chiado da cancela. São seis horas. O ponteiro toca o berrante e inicia-se a passagem dos pesados quadrúpedes pela porteira. As crianças, trepadas nos cercados, fazem grande alarido de despedida.
A estrada
A paisagem é exuberante, a colina eleva-se à esquerda da estrada poeirenta; à direita há um rio caudaloso. Nas colinas pastam alguns gados. O silêncio é quase total, somente interrompido pelo cantar dos pássaros que sobrevoam o local, ou pelos longos e cansativos rugidos de alguns quadrúpedes que abanam a cauda espantando as impertinentes moscas. De longe, um som corta o silêncio. Na curva da estrada, surge o ponteiro, entoando o berrante. O gado caminha vagarosamente. Os peões cavalgam cantando uma moda regional triste.
Em certo trecho, a estrada penetra por um estreito desfiladeiro de cem metros. O ponteiro ressoa o berrante para afinar a manada. Dois peões galopam morro acima, um de cada lado da elevação, e ficam postados no cume, vigiando o gado que atravessa a estreita passagem. Após esse trecho difícil, descortina-se vasto e longínquo campo e os peões cavalgam à distância, dando liberdade para o gado caminhar, comendo a vegetação rasteira, que é abundante.
A fuga do zebu
Cinco horas de viagem sob o sol causticante, e o gado começa a apresentar sinais de exaustão. Alguns dos animais já estão ariscos e, em dado momento, um dos zebus começa a criar pontas (procurando um meio de fugir da manada), e, de repente, sai em desabalada carreira campo afora. Um dos peões firma-se na sela, esporeia seu cavalo e dispara em busca do boi enervado. Vendo que este se dirigia para o matagal próximo, empregou mais velocidade no seu malhado, emparelhou o cavalo ao boi, desviou o cavalo para o lado contrário e, com agilidade e sangue frio, saltou do cavalo, caindo de pé rente à cabeça do boi, em pleno movimento. O peão lançou rapidamente a mão direita nas ventas do boi, e as segurou, prendendo a respiração do animal, e, com a esquerda, pegou firme em um dos chifres e torceu o pescoço do boi para o seu lado, instante em que o pesado animal derrapou a pata dianteira, dobrando a traseira, perdendo o equilíbrio e caindo de lado, formando uma nuvem de pó a seu redor. Para mantê-lo no chão, o peão imediatamente coloca uma das patas dianteiras atrás do chifre e, assim, o boi fica imobilizado, momento em que o valente vaqueiro coloca a máscara de couro na carranca do zebu e o leva, subjugado, aos gritos de aboio (canto) vitorioso para junto da manada.
(Viagem de boiadeiro contada pelo ginasiano Osíris de Paula Soares)
(Sabbag, Deise. "A viagem do boiadeiro". Diário Popular. São Paulo, 13 de março de 1971)
Postado no Grupo de Estudos Boiadeiro Rei
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